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domingo, 9 de outubro de 2011

sobre a alegria (e um cesto de piquenique)

Era uma luz de vitral, uma luz quase verde, quase dourada, uma luz de montanha acesa, a desenhar os picos contra o azul do céu.
Estava um silêncio de templo, um silêncio de beijo, um silêncio de folhas a estalar sob os nossos pés.
Levávamos a alegria no cesto, misturada na massa que se acamava no molho, regada no vinho com que brindámos à vida,
- a nós.
E o brinde era à saúde, era à esperança, era ao agora daquele domingo, era a esta coisa boa de estarmos juntos e podermos fazer um piquenique.
Levávamos a juventude de antes, agarrada na gargalhada e no canto dos pássaros e na fruta que espalhámos sobre a toalha aos quadrados de antigamente.
E fomos felizes. Porque a felicidade é assim, feita de coisas pequenas - do frio da água a correr na levada, do desenho de filigrana dos fetos, do recorte fofo dos líquenes, da terra solta do chão.
Voltámos ao tempo das omeletas escondidas no pão da véspera, voltámos a sentir a terra e o cheiro verde das árvores. Voltámos, por um dia, a ser miúdos e a escutar o ritmo dos nossos passos.
Tão simples, afinal, a alegria. Às vezes, cabe num cesto de piquenique. E na luz imensa da serra. E no sorriso. Em nós.

sábado, 8 de outubro de 2011

CRESPÚSCULO(S )

O pior do tempo que passa é o silêncio do que não se viveu. É isso que dói no espelho: a imagem baça de um olhar sem luz, os regos secos de uma pele sem brilho, a solidão noturna de uma janela fechada.
Passamos a vida a envelhecer. Sem nos darmos conta, estamos sentados à porta da vida, com o horizonte no chão. Sem que as horas nos avisem, as nossas mãos desmaiam no colo e a memória afoga-se dentro do peito. Sem nos apercebermos, estamos sós, dramaticamente abandonados ao fim, como se não houvesse futuro, como se não houvesse calor, como se de nada tivesse valido toda a luta, todos os sacrifícios, todo o amor.
De repente, meus amigos, o nosso calendário só tem ontens, o nosso mar fica vazio, as gaivotas já não acordam as nossas manhãs. De repente, o mundo fica confinado ao nosso quarto, as palavras ficam escondidas na garganta, o medo toma conta de nós. De repente, já não há ninguém para conversar, já não há ninguém para abraçar, já ninguém diz,
- tem cuidado, volta cedo,
porque já não há ninguém.
Por isso, esta é a hora. Em ponto. É a hora de olhar para quem já viveu, de beijar as mãos que já nos acariciaram, de beber os exemplos de quem andou a marcar os nossos caminhos.
Amanhã, se Deus quiser, há-de ser a nossa vez. E vamos gostar – certamente - que nos sorriam, que nos abracem, que cuidem de nós.
Hoje, agradecemos a vida. E pedimos que nunca, mas nunca, nos deixemos cair na tentação de nos esquecer de viver. Porque o pior do tempo que passa é quando o espelho só nos mostra o que não se fez.