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sábado, 26 de março de 2011


Há uma primavera em cada vida
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!
Florbela Espanca

Bom dia. Hoje, traz um brilho diferente no olhar. É novo? Fica-lhe bem. Condiz com a frescura desta manhã azul de tão limpa.
Já viu o mar? Espelha a infinitude do céu. Traz notícias boas daquele lugar onde vivem os amigos que não estão connosco. Já beijou o calhau e adormeceu nos seus braços. A cidade está com inveja da calma daquelas águas. Porque está quase na hora e é preciso correr para não chegar atrasada.
Espere. É só um bocadinho. As folhas já rasgaram os troncos e as flores espreguiçam-se nos canteiros do caminho. Dantes, as andorinhas voltavam. ( Lembra-se de escrevermos isso nas redações? Lembra-se de irmos espreitar os ninhos nas árvores mais baixinhas?) Agora, não sei. Andamos tão distraídos!
Sente-se aqui comigo. Os bancos ainda estão vazios a esta hora: os turistas ainda dormem, os solitários ainda não saíram. Espreite comigo a primavera. Ela voltou, derreteu a neve dos montes e beijou a manhã. Parece que o tempo ficou sem pressa, que o mundo não está a chorar, que o país ainda tem solução. Ouça a vida que desponta no sorriso de quem passa e se espanta com o nosso espanto.
Sim, eu sei. Passo as frases a pedir-lhe coisas. Que olhe. Que ouça. Que repare. Que descubra flores onde o chão secou. Que sorria. Que. Que. Que. Sabe o que é? É que eu preciso de si para me obrigar a olhar, a ouvir, a reparar, a descobrir o sol que rompeu a solidão da noite, a perceber que o inverno acabou e que tudo vai recomeçar.
Peço-lhe que me acompanhe neste deslumbramento. É que hoje está especialmente luminoso. Preciso da sua luz para me acender a Primavera.
Fica-lhe muito bem esse sorriso. É novo?

Há uma primavera em cada vida
é preciso cantá-la assim florida,
pois se Deus nos deu voz, foi para cantar!
Florbela Espanca

Bom dia. Hoje, traz um brilho diferente no olhar. É novo? Fica-lhe bem. Condiz com a frescura desta manhã azul de tão limpa.
Já viu o mar? Espelha a infinitude do céu. Traz notícias boas daquele lugar onde vivem os amigos que não estão connosco. Já beijou o calhau e adormeceu nos seus braços. A cidade está com inveja da calma daquelas águas. Porque está quase na hora e é preciso correr para não chegar atrasada.
Espere. É só um bocadinho. As folhas já rasgaram os troncos e as flores espreguiçam-se nos canteiros do caminho. Dantes, as andorinhas voltavam. ( Lembra-se de escrevermos isso nas redações? Lembra-se de irmos espreitar os ninhos nas árvores mais baixinhas?) Agora, não sei. Andamos tão distraídos!
Sente-se aqui comigo. Os bancos ainda estão vazios a esta hora: os turistas ainda dormem, os solitários ainda não saíram. Espreite comigo a primavera. Ela voltou, derreteu a neve dos montes e beijou a manhã. Parece que o tempo ficou sem pressa, que o mundo não está a chorar, que o país ainda tem solução. Ouça a vida que desponta no sorriso de quem passa e se espanta com o nosso espanto.
Sim, eu sei. Passo as frases a pedir-lhe coisas. Que olhe. Que ouça. Que repare. Que descubra flores onde o chão secou. Que sorria. Que. Que. Que. Sabe o que é? É que eu preciso de si para me obrigar a olhar, a ouvir, a reparar, a descobrir o sol que rompeu a solidão da noite, a perceber que o inverno acabou e que tudo vai recomeçar.
Peço-lhe que me acompanhe neste deslumbramento. É que hoje está especialmente luminoso. Preciso da sua luz para me acender a Primavera.
Fica-lhe muito bem esse sorriso. É novo?

segunda-feira, 21 de março de 2011

SOBRE OS POETAS

Às vezes, as palavras queimam. Abrem lumes de prata na negrura da impossibilidade de as dizer. São lua que se derrete no mar. Luz. Música. Silêncio líquido.
Nasce, então, a poesia: poeira lírica do céu que a mão frágil do poeta semeia. Ousadia, talvez.
O poeta tem palavras enredadas nos dedos: rosários de amores e desencantos, de medos e de esperanças. Com elas, adoça a vida, escreve o mundo e partilha imagens como quem conta um segredo.
O poeta tem beijos na voz. E desenha com eles mapas de sentidos num tempo que não conta. Azul. Divinamente azul. Tecidos com fios de luz, bordados com o arrepio que o vento acende nas paredes dos olhos.
O poeta encanta a noite. Como Oriana, a fada boa da Sophia que, um dia, se esqueceu de si para se dar aos outros. Asas. O poeta tem asas na voz. Música. As palavras do poeta rezam na dança dos sons, na paz branca que deixam cair no silêncio das folhas.
O poeta é irmão dos seus irmãos de humanidade. Ama-os, na generosidade da sua entrega. Dá-se, na alegria de abrir o peito e de mostrar a luz que transmuta em palavras. Faz delas razão de ser quem é: artífice, grito, silêncio, mundo e vazio, tempo e eternidade, ilha e universo.

domingo, 20 de março de 2011

PARA O PAI

Quando o homem conheceu o medo, Deus inventou o pai. Criou-o forte, com mãos de abrigo. Fê-lo corajoso, com força de guerreiro. Fê-lo amigo, com um coração do tamanho do amor. Preparou-o para salvar o mundo que se guarda no corpo do filho.
No princípio, é remédio contra os pesadelos, mão que segura o nosso medo de cair, mestre de todas as coisas, companheiro da bola e da corrida, parceiros dos domingos cinzentos. Depois, é a voz que ensina os limites do tempo e da história; o olhar que corrige as fugas, o suporte que estrutura a vida, a liberdade que marca a hora dos regressos, que oferece o que não há, que ensina o que faz falta.
Pai é abraço na hora da indecisão. É protecção, quando o tecto se derrama e a chuva entra, molhando os olhos e afogando as flores. É sinal de
- podes vir,
quando os nossos olhos estão no chão e, arrependidos, queremos voltar para casa. É a prova de que o amor e a doçura não são apenas palavras femininas.
Conheço bem estas palavras. Graças a Deus. Trago-as no peito desde menina. Conheço a força do braço e a meiguice do sorriso. Um presente.
Por estes dias de Março, desenhamos a vida desse homem que cimentou os alicerces da nossa vida. Lembramo-nos das palavras, dos gestos, dos olhares. Se o temos connosco, continuamos a guardar o nosso medo no seu abraço. Se já não o temos, lembramo-nos do calor que ficou para sempre, dentro do nosso peito.
Por estes dias de Março, olhamo-nos e vemo-nos imagem dessa Figura que Deus, num momento sublime da criação, criou para nós, só para nós, mesmo que tenhamos mais irmãos.
O abraço. O exemplo. A raiz da nossa casa. O pai. Uma das invenções mais perfeitas do Artista.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O deserto


Às vezes, temos o sol na algibeira, um riso grande nos olhos e cumplicidades escondidas entre os dedos. Gostamos de nós, nesses dias. Gostamos dos outros. Gostamos da vida.
Outras vezes, não. Percebemos que os nossos bolsos têm buracos por onde se escapa o tempo, o mesmo que desenha rugas no nosso rosto e nos pergunta, ao anoitecer,
- o que fizeste, hoje?
Nesses dias, damos conta dos nossos limites. Corremos de tal maneira depressa que a nossa alma fica para trás, suspensa num qualquer abismo, à espera daquele instante em que o caminho deixa de fazer sentido e temos de regressar para procurar o que perdemos.
O deserto é isto. Voltar para trás para reencontrar a alma e redescobrir o equilíbrio entre nós e nós, entre nós e a vida, entre nós e Deus. É nesta repetição de paisagens que o silêncio nos apanha e, de mãos dadas connosco, nos leva a passear dentro do peito, à descoberta das nossas florestas e dos nossos precipícios, das nossas esperanças e dos nossos medos. Quaresma é também isto: desenhar um caminho dentro de nós até encontrarmos o que vale, efectivamente, a pena. Quaresma é este encontro com os nossos lugares onde a tentação e a força se encontram, onde o Mal e o Bem lutam por nós.
Venha comigo. Desenhe o seu andar ao lado do meu. Vamos à procura do que nos resta de paz, de verdade. Vamos à procura do que o mundo nos roubou na pressa de o conquistarmos.
O tempo é este. Passamos o ano inteiro a medir as sombras das ruas, temos, agora, de aprender a ler a escrita dos céus. Passo a passo, façamos esta liturgia da caravana no deserto. Lado a lado. Assim, eu serei a força da sua fraqueza e você, o consolo da minha dor. O deserto esconde o silêncio de um Deus que matou a morte com a espada de uma cruz. O deserto ensina a saudade do que não temos, ensina a necessidade de procurar o poço que guarda a água, ensina a dar valor ao caminho que as estrelas indicam, ensina, na solidão e no silêncio amarelo desse mar sem fim, que é preciso ir.
Sente-se comigo nesta duna. Não há mais nada. Não se ouve nada. Apenas nós e o que somos. Peço-lhe que me perdoe as minhas imperfeições, as pequenezes dos meus atos e das minhas palavras.
Dê-me um abraço. Já não estamos sozinhos. Nem temos medo. O silêncio do deserto limpou-nos do que não é preciso.
Está a sorrir? Olhe, afinal, é o riso grande dos seus olhos que aquece o sol da minha algibeira. Do nosso abraço, brota a água para a nossa sede. Estamos mais perto de nós. Estamos mais perto de Deus.
Vamos continuar?

quinta-feira, 3 de março de 2011

SOBRE MÂOS

Lembra-se das mãos do seu pai e da segurança de a ter apertada à sua? Lembra-se da doçura da sua mãe, quando a ternura das suas mãos lhe limpavam as lágrimas-meninas das primeiras desilusões?
Pois, hoje, lembro-me delas. E deixo que a memória as aqueça na frieza das minhas saudades. É por isso que escrevo mão, com o espanto que a própria palavra me dita, com a boca redonda de beijo que o som único desta sílaba me diz. Escrevo mão e vejo nelas os olhos dos cegos e a voz dos mudos. Escrevo mão e desenho o movimento de cada gesto – o da mãe que, com elas, embrulha o corpo do seu filho, o do menino que agarra a mão do amigo e faz com ele uma roda, o do jovem que contorna o rosto do amor e entrelaça os seus dedos nos dedos do futuro, o do homem que lança a semente à terra para a recolher depois, o do velho, cansado, que a apoia na bengala, quando o chão lhe começa a chamar o corpo. Escrevo mão e vejo-a levantar-se para limpar as lágrimas que se escondem, depois, no bolso da solidão. Escrevo mão vejo-a conduzir outra mão, no lado a lado de que é feito o nosso caminho.
Olhe para as suas mãos. É só bocadinho. Sinta-as abertas, percorra os sulcos das linhas que lhes riscam as palmas. Pense nelas e no que elas já fizeram antes de segurarem esta folha de papel. Foram elas que iniciaram a manhã,
-em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo;
foram elas que acariciaram o sono do seu filho e lhe disseram, sem palavras,
-são horas, meu amor!;
foram elas que repartiram o pão e enfeitaram a imagem que vive dentro do espelho; foram elas.
E pense nas outras. Nas que, todos os dias, se levantam num aceno, nas que apertam as suas, nas que lhe seguram as dores. Pense nas mãos que tratam das suas feridas, nas que trabalham para que a sua vida seja melhor, nas que fazem aquilo que as suas não fazem, nas que se estragam para que as suas continuem bonitas.
Pense nessas mãos. As suas e as dos outros. As que o trouxeram à luz e as que, um dia, hão-de fechar os seus olhos. As que são a paleta de Deus. As que fazem com que este dia seja melhor.
Agradeça a sua presença na sua vida.
Já beijou as mãos de alguém? Hoje, beije também as suas.
Pronto. Agora sorria. Vamos trabalhar.