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sábado, 11 de setembro de 2010

Mercês, 37

Venha comigo, por favor.
Quero levá-lo, hoje, a um lugar onde fui muito feliz: a Escola das Mercês. Traga espaço para as memórias e reserve um bocadinho de coração para abrigar as saudades. As minhas e as de muita gente que fez deste lugar uma parte muito importante da sua vida.
Arrumo os passos para subir uma rua que conheço de cor. Bato à porta do 37 para um
- bom dia, senhora doutora,
que tem um sorriso pendurado nas palavras. Levo muitos sorrisos desta escola. Ao longo de mais de vinte anos, eles foram ajudando a resolver as dificuldades, a atenuar os cansaços, a ultrapassar as incapacidades.
Entre, por favor. Deixe-se levar pelo eco das gargalhadas dos miúdos que já não estão aqui. Elas estão desenhadas no arrepio velho das paredes e escondidas debaixo das camadas de tinta que lhes foram disfarçando a idade. Afaste-se comigo da bola que atravessa o campo e que vem aterrar inevitavelmente aos nossos pés,
- desculpe, professora,
que ouvi centenas de vezes, em centenas de manhãs, antes do toque das oito.
Tenho os meus passos marcados no ranger das escadas da Casa Velha. Escondi, ali, os segredos que os alunos me contaram, o desespero dos pais sem respostas para a juventude dos filhos, a saudade dos amigos que já só encontro dentro de mim, a cumplicidade dos colegas-amigos-irmãos de todas as horas. Escondi, ali, os funcionários que me ajudaram a ser a professora que fui, a pessoa que sou. Escondi, ali, a possibilidade que a vida me deu em participar em projectos novos, em decisões inovadoras, na vida de gente que, hoje, ajuda a mover a sociedade.
Comecei a trabalhar nesta Escola ainda menina com vontade de crescer. Encontrei aqui um dos lemas da minha vida: é sempre possível fazer melhor. Percebi, nesta casa, que a missão de um professor não se esgota nas paredes das salas de aula. Entendi que a vida também se ensina nos pátios, nos palcos, no exemplo que somos e que oferecemos aos alunos, todos os anos lectivos.
Vou-me embora, agora. A Escola das Mercês está a fechar. Os quadros estão mortos. As salas estão vazias. Já não há alunos a enfeitar os varões da rua. Era preciso, eu sei.
O Santo António do Conselho Executivo há-de zelar pelo resto. Por nós. A missão daquela casa será outra, certamente. Mas, a sua alma há-de chamar-se, para sempre, “Escola das Mercês”.
Vou ter saudades.
A si, muito obrigada por me ter acompanhado. Um abraço. Agora, vou fechar a porta.

5 comentários:

  1. Obrigada pelo texto! Ele ilumina também para sempre a alma 'daquela casa'...

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  2. Palavras que fazem parte de todos nós e que para sempre ficarão gravadas nos nossos corações.

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  3. Subscrevo integralmente. Há dias estive na nossa escola. Que tempos em que se amavam as coisa e os trabalhos difíceis e ... QUE SAUDADES!. "Para sempre"!.. As pessoas e os espaços daquele tempo. " E uma súbita ternura não sei porquê."(ferreira, para sempre, 1983)Só escrevi tolices. Obrigado, Graça.

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