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quinta-feira, 17 de março de 2011

O deserto


Às vezes, temos o sol na algibeira, um riso grande nos olhos e cumplicidades escondidas entre os dedos. Gostamos de nós, nesses dias. Gostamos dos outros. Gostamos da vida.
Outras vezes, não. Percebemos que os nossos bolsos têm buracos por onde se escapa o tempo, o mesmo que desenha rugas no nosso rosto e nos pergunta, ao anoitecer,
- o que fizeste, hoje?
Nesses dias, damos conta dos nossos limites. Corremos de tal maneira depressa que a nossa alma fica para trás, suspensa num qualquer abismo, à espera daquele instante em que o caminho deixa de fazer sentido e temos de regressar para procurar o que perdemos.
O deserto é isto. Voltar para trás para reencontrar a alma e redescobrir o equilíbrio entre nós e nós, entre nós e a vida, entre nós e Deus. É nesta repetição de paisagens que o silêncio nos apanha e, de mãos dadas connosco, nos leva a passear dentro do peito, à descoberta das nossas florestas e dos nossos precipícios, das nossas esperanças e dos nossos medos. Quaresma é também isto: desenhar um caminho dentro de nós até encontrarmos o que vale, efectivamente, a pena. Quaresma é este encontro com os nossos lugares onde a tentação e a força se encontram, onde o Mal e o Bem lutam por nós.
Venha comigo. Desenhe o seu andar ao lado do meu. Vamos à procura do que nos resta de paz, de verdade. Vamos à procura do que o mundo nos roubou na pressa de o conquistarmos.
O tempo é este. Passamos o ano inteiro a medir as sombras das ruas, temos, agora, de aprender a ler a escrita dos céus. Passo a passo, façamos esta liturgia da caravana no deserto. Lado a lado. Assim, eu serei a força da sua fraqueza e você, o consolo da minha dor. O deserto esconde o silêncio de um Deus que matou a morte com a espada de uma cruz. O deserto ensina a saudade do que não temos, ensina a necessidade de procurar o poço que guarda a água, ensina a dar valor ao caminho que as estrelas indicam, ensina, na solidão e no silêncio amarelo desse mar sem fim, que é preciso ir.
Sente-se comigo nesta duna. Não há mais nada. Não se ouve nada. Apenas nós e o que somos. Peço-lhe que me perdoe as minhas imperfeições, as pequenezes dos meus atos e das minhas palavras.
Dê-me um abraço. Já não estamos sozinhos. Nem temos medo. O silêncio do deserto limpou-nos do que não é preciso.
Está a sorrir? Olhe, afinal, é o riso grande dos seus olhos que aquece o sol da minha algibeira. Do nosso abraço, brota a água para a nossa sede. Estamos mais perto de nós. Estamos mais perto de Deus.
Vamos continuar?

1 comentário:

  1. O deserto ensina-nos que até no desespero há vida.
    O deserto de vez em quando é rasgado pelo sorriso de um rio que mais abaixo se espalha em oásis de esperança.

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