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sábado, 18 de dezembro de 2010

VIRGEM DO PARTO


A noite ainda anda pela cidade, fria, estremunhada, despenteada do descanso que, por estes dias da Festa, acaba mais cedo. A garganta da noite está presa no sono que é preciso afastar, depressa, na urgência das campainhas que já não se ouvem mas que continuam a tocar dentro da gente, no canto da nossa meninice.
Estamos dentro da noite, arrumando os passos em direcção à Missa do Parto, sorrindo à Virgem que está prestes a dar à Luz. Por instantes, somos parte de uma comunidade que só se vê de vez em quando, mas que se junta para aquecer a madrugada.
Virgem do Parto
Ó Maria,
Senhora da Conceição.
Somos personagens do presépio, pastores talvez, e enfrentamos a geada,
Dai-nos as Festas Felizes
A paz e a salvação.
Entrámos na noite e o dia amanhece dentro da igreja. A estrela do Natal já deixou a sua luz nas velas que afastam os nevoeiros. Os olhares procuram outros olhares, as mãos, outras mãos, as vozes juntam-se a outras vozes, roucas também, e enchem a manhã de uma paz argentina.
Depois, a festa. A do adro. Como antigamente, quando se rompia o silencio, soprando os búzios, tocando as gaitas, cantando. Esta era a hora de perceber o que o escuro tinha deixado escondido: um sapato de cada cor, o fio puxado nas meias, o pijama que teimava em sair pelas pernas das calças. Vinha, depois, a gargalhada, ao som do rajão, o cheiro doce do licor, a estreia das broas, o café de saco a enganar o bocejo e a manhã, já acordada, a iluminar a porta da igreja.
Como todos os anos, inebriamo-nos na alegria destas novenas e vamos antecipando a Festa. Cada missa do parto é um encontro novo. Ficamos mais perto da gruta de Belém, mais perto, cada vez mais perto.
- Até amanhã. Agora, vamos trabalhar.

3 comentários:

  1. Sendo a mais genuína tradição madeirense, A ligação sacra que envolve a Festa arrebata para o sagrado aspectos noutros contextos profanos.
    A Festa torna sagrado a terra e as gentes, apesar dos búzios que se perderam das campainhas que fenderam, mas as canções continuam e os aromas também.

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  2. Gostei 'hora de perceber o que o escuro tinha deixado escondido' :) Acho que é esse convívio do sagrado com o profano que faz com cada uma das perspectivas revele os seus melhores valores, enriquecendo-se mutuamente.

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  3. DePê, uma dia (uma madrugada, melhor dizendo) ainda vamos com um deles...

    Feliz Natal!

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