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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A casa [de lava e de livros] de José Saramago





“Procurar o outro lado de tudo” – foi o que fui fazer à Casa, Calle los Topes, Tias, Lanzarote.
Entrei na casa de Saramago como se entrasse num universo que, de algum modo, também me pertencia. Bebi a atmosfera familiar que se estampa em cada canto, como se José [permita-me chamá-lo assim, neste contexto] fosse voltar a cada instante, mudar uma peça de sítio, pegar num livro do escritório e se sentar no cadeirão da sala a ler poesia, depois do jantar e a ouvir o vento a gemer na vidraça.
Pisei o chão negro de basalto que serve de tapete de entrada e senti-me personagem de livro. Olhei para as paredes e reconheci a força de Blimunda, o caminho lento do Elefante. Senti o poder das palavras escritas em cada objecto, na família africana que ficou depois dele ter partido, nas fotografias espalhadas pela sala, na vida que ficou parada numa cama branca guardada numa ilha negra, beijada, em cada manhã, pelos ventos alísios que lhe adoçam o ar.
Senti-lhe o espírito inquieto de homem do mundo que espalha por toda a casa o sagrado da arte, em crucifixos e mistérios e Meninos Jesus que se cruzam com o dia a dia e as montanhas e o mar azul azul e as romãzeiras do quintal.
Passei a mão pela mesa, a mesma que terá recebido as linhas do Memorial do Convento, do Evangelho segundo Jesus Cristo, ou do Ensaio sobre a Cegueira. E sentei-me à mesa da cozinha e tomei um café [Delta] português, porque os amigos são sempre convidados para um café na cozinha. Com Pilar.
Desci depois ao jardim. Abracei a oliveira e mordi uma alfarroba que me tocou na mão.
Sentei-me, então, na pedra negra a olhar o mar. Como ele. Como se ele estivesse ali e me dissesse,
- olha o mar sente o vento inventa o entardecer e pensa que és apenas um grão dessa cinza que o vulcão vomitou
Assim, sem pontuação. De um fôlego. Prendendo no peito o ar. Porque o resto, as letras, as palavras, a manta vermelha, o computador, os últimos livros estavam na biblioteca. Teria ficado ali, a contemplar a fotografia do homem mais sábio do mundo que não sabia ler nem escrever ou, simplesmente, a pensar nas palavras sem medo de um Português que escolheu Lanzarote para ser feliz e que mandou parar todos os relógios nas quatro, porque foi a hora em que redescobriu o amor.

Graça Alves

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