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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Setembro

Setembro era enorme. Já tínhamos a pele cansada do sol e a Barreirinha já tinha perdido o interesse do princípio. No intervalo da nossa ansiedade, tínhamos as festas, as vindimas, os pés azuis do lagar, as tardes na Gulbenkian, as conversas no quintal.
Às vezes, sentávamo-nos nos portais a fazer projectos de ano novo: professores novos, colegas diferentes, uma vontade de crescer.
Era um mês de futuro, Setembro. Porque tudo era novo: o corte do cabelo, a roupa para o primeiro dia de escola, o cheiro dos livros, as folhas coladas dos cadernos e, se o ano tivesse sido razoável, uma pasta nova para nos dar confiança e atrair notas boas.
A mãe forrava os livros na mesa da cozinha, ao serão, depois do jantar (O plástico [não aderente] protegia-os das mãos sujas da manteiga da merenda.) sob o nosso olhar atento. Desse gesto cuidadoso parecia depender o sucesso do ano lectivo.
Líamos os textos do livro de Português, na ânsia [antiga] de conhecer histórias novas
(- tem cuidado com as folhas. Lavaste as mãos?)
e espreitávamos o estojo e abríamos os cadernos
1ª período
e deixávamo-nos levar pelas ilustrações e pela novidade.
Olhávamo-nos ao espelho a espreitar as mudanças – cresceste tanto, estas férias! – na ânsia de sermos grandes.
Setembro era um mês estranho: ao mesmo tempo que queríamos que as férias se despachassem e que a escola abrisse, tínhamos pena de perder as aventuras que imitávamos dos Cinco e dos Sete e de deixar ouvir a campainha para o desafio,
- vamos brincar?
Tínhamos tão pouco e não precisávamos de nada. Éramos uns dos outros nessa altura.
Já não se vêem miúdos na minha rua. Estão presos ao computador a viver vidas que não são suas. Já não conhecem o cheiro de Setembro: um cheiro a uvas vindimadas e a livros por estrear. Já não têm sonhos para partilhar com os amigos e já não fazem projectos para as brincadeiras dos recreios.
Agora, Setembro passa depressa. Como a vida. E não temos tempo para nada. Servimo-nos, então das lembranças – memórias boas de um tempo em que tínhamos o futuro ao alcance das nossas mãos.

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