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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Vamos acordar as fadas? - II

- Era uma vez.
Começou assim a minha história de amor: eu e os livros, eu e as florestas encantadas, eu e o tempo do
- foram felizes para sempre.
Cresci, assim, embalada no beijo que se seguia à história e me aconchegava o dia num sono reparador com mão de mãe:
- Dorme bem, meu amor.
E eu dormia. Porque os anjos e as fadas velavam os meus sonhos e impediam que as bruxas e os dragões me acordassem o medo. Depois, cresci. Os livros cresceram comigo e trouxeram – me as aventuras dos Cinco e dos Sete, os lanches que apeteciam comer, a liberdade de um mundo sem adultos, a alegria do dever cumprido.
Mas a vida (a minha vida, meus amigos) precisou de outras palavras, de outras histórias, de outros lugares, de descobertas de coisas reais. Percebi, então, que eu vivia dentro dos livros, que as histórias que eu lia eram as minhas histórias que alguém tinha passado a limpo. Lê-las era recebê-las de presente.
- É tua. Foi por ti que a escrevi.
Com os livros, ri e chorei. Foram eles que me aqueceram o peito quando a noite me encontrou triste ou cansada. Com eles, ouvi a música das palavras, fui à lua, olhei directamente para o sol e acreditei que a felicidade era possível.
A vida, porém, levou-me a guardar as fadas e os príncipes no fundo de mim. Escondi as palavras no baú do que fui. E fiquei mais só. Esqueci-me de que o lugar dos livros é no coração e que o tempo para ler é um tempo roubado ao tempo social de viver, de trabalhar, de estar na moda. Onde é que eu perdi aquela espécie de feitiçaria em que o escritor se encontrava comigo e éramos felizes?
Mas, a verdade é que, todos os dias, somos os protagonistas da nossa própria historia. Todos os dias, lemos e escrevemos a nossa vida. Mas, só nos livros, podemos escolher sonhar ou sofrer, partir ou ficar, voltar para trás, reler, saltar páginas, ou simplesmente, suspender a viagem.
Os livros querem morar dentro de nós. Querem construir connosco um amor para a vida. No silêncio que guardam as palavras. Na saudade do tempo em que o
- era uma vez
tinha voz de mãe ou de professora, voz de mel e de cerejas.
Eu gostava muito de tentar. Outra vez.
Ajudem-me, então, a acordar as fadas que dormem nos livros e que nos enfeitavam as noites de antigamente. Ajudem-me a restaurar as minhas asas para irmos, juntos, à floresta encantada das personagens de papel, à clareira onde se esconde o beijo com que o Príncipe acordou a Bela Adormecida. Preciso de gente de boa vontade. É urgente restaurar o sonho que se perdeu de nós numa das ruas da nossa vida.

(texto publicado na página da DRE- Baú de leitura)

3 comentários:

  1. Os livros querem morar dentro de nós.
    Quem me dera adormecer no travesseiro das histórias
    Como quem sonha com fadas.
    Quem me dera voar nas asas da imaginação de ontem,
    singrar nas fábulas de hoje
    e sulcar as esperanças do amanhã.
    Só nos blogs se pode pode partilhar
    o impartilhável
    viver outras entidades,
    criar outras identidades
    e voar como fadas pelas histórias
    de era uma vez

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  2. Cada vez que percorro os teus textos, deixo-me envolver pela caricia que estes me proporcionam. Asas não sei se conseguirás restaurar, mas alma, rosto e mãos de fada não há duvidas que tens.
    Um abraço apertado.

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  3. Sem dúvida que é "urgente restaurar o sonho que se perdeu de nós numa das ruas da nossa vida", pois como dizia o poeta é o sonho que comanda a vida e sem ele o que será de nós?
    Resta-nos esperar que as fadas escondidas continuem a escrever e acordem as princesas adormecidas com os seus textos de encantar.

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