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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Vamos acordar as fadas?

Não me perguntem porquê, mas a minha relação com os livros é (quase) uma história de amor. De amores, talvez. Um lugar de encontros e desencontros, de procuras e de descobertas, de memórias minhas que alguém passou a limpo e delas fez uma história que, no momento em que a leio, é minha.
Isto é assim desde que me lembro de mim, desde o tempo do
- era uma vez
que coroava os dias da minha meninice. Lembro-me ainda do beijo que se seguia ao
- e foram felizes para sempre,
um beijo que curava todos os males que as tropelias do dia tinha trazido. Todos.
Depois, cresci. E como todos os adolescentes, guardei as fadas e os príncipes no fundo de mim e fui à procura de outras coisas. Elas também estavam nos livros: a aventura, a liberdade, o amor, o desencanto. Com os livros, ri e chorei, descobri que havia muito mundo para além da minha janela, descobri o encantamento das palavras, percebi que não tenho de ter medos, porque o meu caminho já foi pisado por outros.
Só mais tarde percebi que o lugar dos livros é no coração. Uma espécie de feitiçaria em que o escritor e o leitor se encontram e são felizes. A vida ensinou-me que os bons livros aquecem o peito quando a noite chega e nós estamos tristes. Os bons livros permitem que os nossos olhos ouçam as palavras e nos convidem a ir com elas, numa viagem em que se pode chegar perto do sol sem nos queimarmos ou roubar a lua, apenas pelo prazer de a guardar no bolso. Os bons livros escondem os beijos que não damos, as palavras que escondemos, a vida que gostaríamos de ter. Um dia. Qualquer dia.
Todos os dias somos os protagonistas da nossa própria historia. Todos os dias, lemos e escrevemos a nossa vida. Mas, só nos livros, podemos escolher sonhar ou sofrer, partir ou ficar, voltar para trás, reler, saltar páginas, ou simplesmente, suspender a viagem.
É por isso que me entristece saber que há gente que ainda não descobriu a magia de ler, gente que, simplesmente, matou as fadas que enfeitavam as noites de antigamente.
Os livros querem morar dentro de nós. Querem construir connosco um amor para a vida. No silêncio que guardam as palavras. Na saudade do tempo em que éramos felizes.
E mais: quando todos falham, quando os amigos se vão embora, quando as estrelas se apagam na noite, é lá que encontramos abrigo, porque é lá que dorme o beijo com que o Príncipe acordou a Bela Adormecida e os sonhos que desejam morar no corpo de quem tem coragem de aceitar o convite que um livro nos faz:
- Dança comigo esta dança?

8 comentários:

  1. No silêncio que guardam as palavras.
    Gostei muito desta frase.
    E se fossem as palavras a gritarem o silêncio?
    Hoje, como ontem, é preciso fazer o silêncio berrar aos quatro ventos que a vida é para ser vivida e não agrilhoada.
    Que por mais que nos façam chorar, não nos podem impedir de olhar as estrelas.
    Que por mais que nos queiram vergar, não nos podem tirar o sonho,nem as fadas da aurora.
    Por mais que nos gradeadem não nos podem matar a esperança.
    Porque o príncipe chegara, montado no seu cavalo alazão, que relinchará a liberdade verde de cada amanhecer!
    Essa esperança está escrita em cada página da vida e da partilha do mundo.
    Basta abrir os olhos ao coração e ler!

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  2. Gosto muito de encontrar abrigo no silêncio das palavras.
    Sentir o respirar morno das sílabas,
    o murmúrio reconfortante das rimas,
    o tilintar compassado das tónicas,
    E enlevo-me no rítmo ondulante das letras.

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  3. Jordas,
    só pela poética desses comentários, valeu a pena postar o texto que mandei para o Jornal da Escola de S. Vicente.

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  4. Gostei muito do teu texto! Penso que é muito verdadeiro e com suave "toque" poético! Sabes, admiro bastante a forma como escreves! Considero engraçada a forma como descreveste a tua relação com os livros ao longo da tua ainda, curta vida. Gostaria de destacar a seguinte frase:"Guardei as fadas e os príncipes no fundo de mim e fui à procura de outras coisas."Achei-a linda!

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  5. Mais um bom texto da Leonor! Espero que já esteja pronto o primeiro rascunho para o Prémio Ler ;)
    Há só uma coisa que não concordo (ou não percebi bem...): quando escreveste que "gente que, simplesmente, matou as fadas que enfeitavam as noites de antigamente."
    Não sei se o desamor pela leitura pode ser um acto voluntário, uma decisão,... e se quem 'encontra as fadas' alguma vez as consegue 'matar' (pode não tratá-las muito bem, mas penso que carregará sempre a sua 'marca')
    Outro assunto para as nossas conversas ;)

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  6. Amiga, gostei muito do texto. Acho o título belíssimo.

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  7. É invejável a paixão que sentimos nas tuas palavras, essas sim, vindas do coração!

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