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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De portas

“A porta mora à espera”
Daniel Faria, Poesias

Já cavámos tantos alicerces. Já construímos tantos sonhos. Já trilhámos tantos caminhos. Já colhemos tanto pão. Já fomos luz. Já fomos sombra. Já fomos pedra, estrela, chão, alimento.
Agora, somos portas. Estamos sentados no degrau da vida à espera do momento certo para sermos mais do que portas, para sermos casa, para sermos gente com alma dentro. Estamos à espera. As portas esperam sempre qualquer coisa: que a noite acabe mais cedo, que a chuva não entre, que o vento não rebente as dobradiças que andam presas nos gonzos, que a felicidade venha nas asas do vento que bebe o mar, que alguém peça para entrar.
Somos portas paradas na berma das ruas. Às vezes, abertas; outras, trancadas; a maioria das vezes, no trinco. Assim, não corremos o risco de nos acusarem do egoísmo de que sofre a gente que mora dentro de nós. É que fechadas, fechadas, não estamos. Abertas também não convém: temos medo das tempestades que levantam os segredos que escondemos debaixo do tapete. Assim, encostadas, ficamos mais ou menos ao abrigo do sol que rasga as sombras que projectamos nas paredes. Ficamos no mais ou menos, na tibieza que não compromete, que é nada mas que não parece.
O segredo é não contar à rua que somos portas encostadas. Talvez, assim, nos guardemos dentro da concha, com a consciência aliviada do
- era só empurrar!
se alguém precisar de nós.
Somos portas paradas na boca das casas. Entreabertas. À espera de coragem para mostrar o por dentro da nossa vida. À espera de mãos com coragem para bater. À espera da força para deixar passar a Luz que vem dos lados do céu.
Somos portas. Afinal, a nossa missão é permitir passagens.

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