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domingo, 17 de abril de 2011

A SEMANA MAIOR

O tempo tem asas. A vida passa a correr, entre o sol e o trabalho, deixando-nos as mãos cheias de coisa nenhuma. E estamos na Páscoa, outra vez. E, outra vez também, só temos um punhado de amêndoas na algibeira e a vontade do mar e do sono do feriado da sexta-feira.
Mas o tempo pousa. E uma voz antiga lembra-nos do tempo em que, por estes dias, não se podia varrer, não se vestia vermelho e íamos à igreja e participávamos de um Mistério que fascinava o nosso coração-menino.
Vamos lá, outra vez. Vamo-nos sentar à mesa e deixar que o Dono da Ceia nos lave os pés cansados de andar. Vamos comer e beber do que Ele nos oferece e participar dessa Vida que é para nós. Vamos usar dessa alegria sóbria da Quinta-Feira , porque sabemos o que vem a seguir, porque conhecemos o preço do amor. Terá a forma de cruz, no dia seguinte. Um Homem-Rei toma o patíbulo como trono. De braços abertos, nessa hora final das três da tarde, pede perdão por nós, promete-nos o Paraíso, entrega-nos a Mãe, sofre o abandono do Pai, bebe o vinagre da sede, cumpre, cumpre-se e entrega o Seu Espírito. Na Sexta-feira, sacerdote e templo unem-se na Cruz. Deus morreu. O resto é silêncio. Um silêncio dorido de morte. Calam-se os sinos. Os altares estão nus.
O Sábado acorda triste. Estamos vazios. Este é o dia da ausência. Um dia que só se levanta ao anoitecer, quando o fogo se acende, quando as luzes rompem a escuridão, quando a água renasce, pura, para libertar da escravidão, quando a Palavra rebenta a pedra do sepulcro, quando os sinos explodem, quando o Aleluia rasga a tristeza e a morte cai, derrotada, aos pés da Cruz.
Ouvimos, então, a voz do passado,
- Mãe, já se pode brincar?
E a mãe que sim. Porque é Domingo de Páscoa e os sinos enfeitam o ar que cheira a jasmins e a comida de forno. Porque a Vida ganhou a batalha. E a esperança. E a alegria.
Tínhamos um vestido às flores para estrear e uma fita de cetim a segurar o cabelo. E tínhamos a vida. E o tempo. E o mundo. Tudo o que se seguiria havia de ser bom: nem Deus estava morto, nem os pássaros tinham ficado sem voz. Afinal, ainda havia esperança.

2 comentários:

  1. Gostei do texto! Sobretudo na relação presente-passado... Obrigadinha!

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  2. Pedras no sapato

    O tempo da vida, desmesurado e prepotente, marca profundamente a história das nossas vidas. E a vida? Marcará o tempo?! E as pedras da calçada que compõem a minha estrada e que ora soltam gemidos choramingando, ora sorriem gracejando, que serão delas sem o peso do meu corpo, sem o toque do meu pé?! São pedras no meu sapato ou pedras sob o meu pé? Ai se os sapatos fraquejam, nem sapatinho nem pé…e a tal pedrinha que leve e matreira, sobrevive e ninguém vê, sentimo-la mesmo franzina e demente, por sermos gente, apenas gente.
    Somos gente, minha gente e este é o tempo de andar descalço. Muitas pedras, muitas pedras mas já nos faltam os sapatos! É tempo de chamar as crianças, de lhes explicar que o sapatinho à lareira, já não vem recheadinho, não que o Pai Natal alongasse o seu caminho, ou esteja muito pesado… o certo é que, cada vez é maior o número de meninos que passam fome e frio; que há mais pobres, sem lareira, sem abrigo…
    Hoje, ainda nos é possível observar o sol, a lua e as estrelas e sonhar… sonhar, porque ainda é de graça, nada temos que pagar, nem para ver as estrelas, nem para poder sonhar…
    O mundo está triste. As pessoas confusas, desconfiadas e cautelosas. A magia do Natal, os preparativos, a alegria das crianças não são a mesma coisa. Tudo pesa. Não há vontade. Não cheira. Não lembra. São tantas as pedras, e que pesadas que são, mesmo não tendo sapatos, passaram do pé para a mão!
    Ainda temos tempo de soltar um grito, o grito de um povo que é feito de gente, um grito de esperança, porque ainda estamos vivos. Hoje, apetece-me gritar!

    São Constantino

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